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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

LIMA BARRETO (1881-1922) ATIVIDADES DE LITERATURA PARA O ENSINO MÉDIO COM GABARITO




Afonso Henriques de Lima Barreto
nasceu no Rio de Janeiro em 1881, ano em que Machado de Assis publicava Memórias póstumas de Brás Cubas. Mestiço de origem humilde, tinha sete anos quando foi assinada a Lei Áurea. Na Escola Politécnica, que frequentou durante cinco anos, o adolescente Lima Barreto sentiu na pele a aspereza do preconceito. Ele era um estranho no meio daqueles jovens brancos, endinheirados e elegantes. No jornalismo sua ironia e sarcasmo encontraram um primeiro veículo de expressão. Assim começou a ficar conhecido entre os estudantes.

Os capítulos iniciais de seu romance de estreia, Recordações do escrivão Isaías Caminha, apareceram na revista Floreal, que ele fundara junto com alguns amigos. A revista durou apenas quatro números. Nessa época começou a entregar-se à bebida. Conseguiu publicar em uma editora portuguesa a versão em livro do Recordações..., renunciando a qualquer centavo de direitos autorais. Segundo ele "um livro desigual, propositalmente malfeito, brutal por vezes, sincero sempre". Era o ano de 1909. Poucos jornais noticiaram o aparecimento do romance. No ano seguinte, decepcionado, solicitou nova licença para tratamento de saúde. Já se evidenciavam no organismo do escritor os estragos produzidos pelo álcool.

Em 1910 o Jornal do Comércio começou a publicar, em folhetins, Triste fim de Policarpo Quaresma. Em 1914, começaram as alucinações alcoólicas que obrigaram a família a internar o escritor no hospício da Praia Vermelha. Nova internação ocorreu em 1918, num hospital de onde enviou a Monteiro Lobato - então dono de uma editora - os originais de Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá. Pela primeira vez iria receber direitos autorais, já que tinha vendido havia pouco, para outro editor, os originais de Os bruzundangas.

Candidatou-se três vezes à Academia Brasileira de Letras, mas não foi eleito. Nessa altura, tinha-se acabado a esperança de atingir, em vida, a glória literária. No dia 1º de novembro de 1922 morreu Lima Barreto. Seu pai morreria 48 horas depois.

OBRA

Romances: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909); Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) em folhetim e 1915 em livro); Numa e Ninfa (1915); Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá (1919); Clara dos Anjos (1948).

Sátira: Os bruzundangas (1923); Coisas do Reino do Jambom (1953).

Conto: História e sonhos (1920).

Escreveu ainda artigos e crônicas para jornais, estudos literários e dois livros de memórias.

"A glória das letras só as tem quem a elas se dá inteiramente; nelas como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega", registraria ele num de seus livros.

A característica mais marcante da literatura de Lima Barreto é a denúncia dos problemas sociais de sua época. Vítima de tantos preconceitos, foi inevitável que traços biográficos do autor se incorporassem nas obras, especiamente em Recordações do escrivão Isaías Caminha, uma pesada caricatura em que o escritor esmiúça os bastidores da imprensa da época. Essa ousadia de Lima Barreto inaugurava a rebeldia em nosso Pré-Moderdismo. Num momento em que o tom geral da literatura era determinado por "sonetos bem rimadinhos, penteadinhos, perfumadinhos, lambidinhos...", como denunciou, Lima fugiu aos padrões da linguagem da época. Em Triste fim de Policarpo Quaresma, inventa o patriota ingênuo que luta até o fim da vida para restabelecer as tradições brasileiras mais legítimas. A personagem-título de Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá traz reflexos autobiográficos e torna-se pretexto para deunciar a estúpida mania de aristocracia, o preconceito racial, a obsessão da elite brasileira em querer "ser doutor", a sabedoria oca e a burocracia.

Como escrever era para ele uma forma de denúncia, sua linguagem tinha de se construir com a clareza da simplicidade, avessa aos adornos que eram moda na época.




ATIVIDADES

1. Qual a principal característica da obra de Lima Barreto?

(a) O romantismo exacerbado e a idealização da realidade.
(b) A denúncia dos problemas sociais e a crítica à sociedade brasileira.
(c) A valorização da estética formal e da linguagem rebuscada.
(d) A fuga da realidade e a construção de mundos fantasiosos.

2. Qual romance de Lima Barreto é considerado uma autobiografia ficcional, onde o autor explora temas como o racismo e a desigualdade social?

(a) Triste fim de Policarpo Quaresma.
(b) Recordações do escrivão Isaías Caminha.
(c) Numa e a Ninfa.
(d) Os bruzundangas.

3. Qual foi a principal dificuldade enfrentada por Lima Barreto em sua vida e obra?

(a) A falta de reconhecimento literário em vida.
(b) A dificuldade em encontrar um editor para suas obras.
(c) A ausência de um estilo próprio e original.
(d) O excesso de crítica por parte da intelectualidade da época.

4. Qual o papel do personagem Policarpo Quaresma na obra de Lima Barreto?

(a) Representar o brasileiro idealizado e patriota.
(b) Ser um símbolo da luta pela igualdade social.
(c) Representar a figura do intelectual alienado da realidade.
(d) Criticar o nacionalismo exacerbado e a idealização do passado.

5. Qual a importância de Lima Barreto para a literatura brasileira?

a) Introduziu o realismo mágico na literatura brasileira.
b) Foi um dos principais representantes do modernismo brasileiro.
c) Foi um precursor do pré-modernismo, denunciando os problemas sociais do Brasil.
d) Consolidou o romantismo no Brasil, com suas obras idealizadas.








GABARITO

1: B
2: B
3: A
4: D
5: C


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

CRÔNICA A RIQUEZA DA BRUZUNDANGA - LIMA BARRETO - ATIVIDADES PARA O ENSINO MÉDIO



Os bruzundangas, de Lima Barreto, é uma coletânea das crônicas originalmente publicadas no jornal A.B.C., durante o ano de 1917. A coletânea só foi lançada em livro em 1923, quando o escritor já havia morrido.

Sob o nome Bruzundanga, país ficcional, pode-se identificar facilmente o Brasil, que na época passava por mudanças políticas aparentemente radicais, mas que em nada melhoraram a condição de vida das classes menos privilegiadas.

Nessa obra, Lima Barreto trata da política, do ensino, da religião, das artes e de vários outros aspectos da Bruzundanga.

Leia, a seguir, parte de uma dessas crônicas.

A RIQUEZA DA BRUZUNDANGA
Lima Barreto

Quando abrimos qualquer compêndio de geografia da Bruzundanga, quando se lê qualquer poema patriótico desse país, ficamos com a convicção de que essa nação é a mais rica da terra.

A Bruzundanga, diz um livro do grande sábio Volkate Ben Volkate, possui nas entranhas do seu solo todos os minerais da terra.

A província das jazidas tem ouro, diamantes; a dos Bois, carvão de pedra e turfa; a dos Cocos, diamantes, ouro, mármore, safiras, esmeraldas; a dos Bambus, cobre, estanho e ferro. No reino mineral, nada pede o nosso país aos outros. Assim também no vegetal, em que é sobremodo rica a nossa maravilhosa terra.

A borracha, continua ele, pode ser extraída de várias árvores que crescem na nossa opulenta nação; o algodoeiro é quase nativo; o cacau pode ser colhido duas vezes por ano; a cana-de-açúcar nasce espontaneamente; o café, que é a sua principal riqueza,dá quase sem cuidado algum e assim todas as plantas úteis nascem na nossa Bruzundanga com facilidade e rapidez, proporcionando ao estrangeiro a sensação de que ela é o verdadeiro paraíso terrestre.

Nesse tom, todos os escritores, tanto os mais calmos e independentes como os de encomenda, cantam a formosa terra da Bruzundanga.

Os seus acidentes naturais, as suas montanhas, os seus rios, os seus portos são também assim decantados. Os seus rios são os mais longos e profundos, do mundo; os seus portos, os mais fáceis ao acesso de grandes navios e os mais abrigados etc, etc.

Entretanto, quem examinar com calma esse ditirambo e o confrontar com a realidade dos fatos há de achar estranho tanto entusiasmo.

A Bruzundanga tem carvão, mas não queima o seu nas fornalhas de suas locomotivas. Compra-o à Inglaterra, que o vende por bom preço. Quando se pergunta aos sábios dos país por que isto se dá, eles fazem um relatório deste tamanho e nada dizem. Falam em calorias, em teor de enxofre, em escórias, em grelhas, em fornalhas, em carvão americano, em briquettes, em camadas, e nada explicam de todo. Os do povo, porém, concluem logo que o tal carvão de pedra da Bruzundanga não serve para fornalhas, mas, com certeza, pode ser aproveitado como material de construção, por ser de pedra.

O que se dá com o carvão, dá-se com outras riquezas da Bruzundanga. Elas existem, mas ninguém as conhece. O ouro, por exemplo, é tido como uma das fortunas da Bruzundanga, mas lá não corre uma moeda desse metal. Mesmo, nas montras dos cambistas, as que vemos são estrangeiras. Podem ser turcas, abexins, chinas, gregas, mas do país não há nenhuma. Contudo, todos afirmam que o país é a pátria do ouro.

O povo da Bruzundanga é doce e crente, mais supersticioso do que crente, e entre as suas supertições está esta do ouro. Ele nunca o viu, ele nunca sentiu o seu brilho fascinador; mas todo bruzundanguense está certo de que possui no seu quintal um filão de ouro.

Com o café dá-se uma cousa interessante. O café é tido como uma das maiores riquezas do país; entretanto é uma das maiores pobrezas. Sabem por quê? Porque o café é o maior "mordedor" das finanças da Bruzundanga.

Eu me explico. O café, ou antes, a cutura do café é a base da oligarquia política que domina a nação. A sua árvore é cultivada em grandes latifúndios pertencentes a essa gente que, em geral, mal os conhece, deixando-os entregues a administradores, senhores, nessas vastas terras, de braço e cutelo, distribuindo soberanamente jsutiça, só não cunhando moeda, porque, desde séculos, tal cousa é privilégio do Rei.

Os proprietários dos latifúndios vivem nas cidades, gastando à larga, levando vida de nababos e com funaças de aristocratas. Quando o café não lhes dá o bastante para as suas imponências e as da família, começam a clamar que o país vai à garra; que é preciso salvar a lavoura; que o café é a base da vida econômica do país; e - zás - arranjam meios e modos do governo central decretar um empréstimo de milhões para valorizar o produto.

Curiosos economistas que pretendem elevar o valor de uma mercadoria cuja oferta excede às necessidades da procura. Mais sábios, parece, são os donos de armarinhos que dizem vender barato para vender muito...

Arranjado o empréstimo, está a coisa acabada. Eles, os oligarcas, nadam em ouro durante cinco anos, todo o país paga os juros e o povo fica mais escorchado de impostos e vexações fiscais. Passam-se os anos, o café não dá o bastante para o luxo dos doges, dogaresas e dogarinhas da baga rubra, e logo eles tratam de arranjar um anova valorização.

A manobra da "valorização" consiste em fazer que o governo compre o café por um preço que seja vantajoso aos interessados e o retenha em depósito; mas, acontece que os interessados são, em geral, governo ou parentes dele, de modo que os interessados fixam para eles mesmos o preço da venda, preço que lhes dê fartos lucros, sem se incomodar que "o café" venha a ser, senão a pobreza, ao menos a fonte da pobreza da Bruzundanga, com os tais empréstimos para as valorizações.

Além disso, o café esgota as terras, torna-as maninhas, de modo que regiões do país, que foram opulentas pela sua cultura, em menos de meio século ficaram estéreis e sáfaras.

BARRETO, Lima. A riqueza da Bruzundanga. In: Os bruzundangas. São Paulo: Ática, 1985.


ATIVIDADES

1. Qual a principal crítica social presente na crônica "A riqueza da Bruzundanga"?

a) A exploração dos recursos naturais do país pelas grandes potências estrangeiras.
b) A corrupção política e a concentração de riqueza nas mãos de poucos.
c) A falta de investimento em educação e desenvolvimento tecnológico.
d) A dependência econômica do Brasil em relação à produção de café.

2. Qual a função do país fictício Bruzundanga na obra de Lima Barreto?

a) Satirizar os costumes e as mazelas da sociedade brasileira da época.
b) Criar um universo fantástico e desvinculado da realidade brasileira.
c) Idealizar um país com grandes potencialidades e recursos naturais.
d) Celebrar a cultura e a história do Brasil.

3. Qual é a principal crítica de Lima Barreto ao sistema de "valorização do café"?

a) A falta de investimento em outras culturas agrícolas.
b) A exploração dos trabalhadores rurais.
c) A corrupção e o enriquecimento ilícito dos políticos.
d) A dependência do Brasil em relação ao mercado internacional.








GABARITO
1: B
2: A
3: C


 







sábado, 18 de janeiro de 2025

CRÔNICA A MINHA GLÓRIA LITERÁRIA DE RUBEM BRAGA - ATIVIDADES COM GABARITO


O escritor Rubem Braga relata nessa crônica experiências de colégio ao fazer redações para a disciplina de Português.

"Quando a alma vibra, atormentada..."

Tremi de emoção ao ver essas palavras impressas. E lá estava o meu nome, que pela primeira vez eu vi em letra de forma. O jornal era O Itapemirim, órgão oficial do "Grêmio Domingos Martins", dos alunos do Colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro do Itapemirim, Estado do Espírito Santo.

O professor de Português passara uma composição: "A lágrima".  Não tive dúvidas: peguei a pena e me pus a dizer coisas sublimes. Ganhei 10, e ainda por cima a composição foi publicada no jornalzinho do colégio. Não era para menos:

"Quando a alma vibra, atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da desgraça, este, numa explosão irremediável, num desabafo sincero de infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se, oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo e consoladora como a esperança; e esta pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência do sofrimento: é a lágrima".

É claro que eu não parava aí. Depois outras belezas, eu chamo a lágrima de "traidora inconsciente dos segredos d'alma", descubro que ela "amolece os corações mais duros" e também (o que é mais estranho) "endurece os corações mais moles". E acabo com certo exagero dizendo que ela foi "sempre, através da História, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão."

Sim, eu era um pouco exagerado; hoje não me arriscaria a afirmar tantas coisas. Mas o importante é que minha composição abafara e tanto que não faltou um colega despeitado que pusesse em dúvida a sua autoria: eu devia ter copiado aquilo de algum almanaque.

A suspeita tinha seus motivos: tímido e mal falante, meio emburrado na conversa, eu não parecia capaz de tamanha eloquência. O fato é que a suspeita não me feriu, antes me orgulhou; e a recebi com desdém, sem querer desmentir a acusação. Veriam, eu sabia escrever coisas loucas: dispunha secretamente de um imenso estoque de "corações amargurados", "pérolas de amargura" e "talismã encantados", para embasbacar os incréus; veriam...

Uma semana depois o professor mandou que nós todos escrevêssemos sobre a Bandeira Nacional. Foi então que - dá-lhe, Braga! - meti uma bossa que deixou todos maravilhados. Minha composição tinha poucas linhas, mas era nada menos que uma paráfrase do Padre-nosso, que começava assim: "Bandeira nossa, que estais no céu...".

Não me lembro do resto, mas era divino. Ganhei novamente 10, o professor fez questão de ler, ele mesmo, a minha obrinha para a classe estupefata. Essa composição não foi publicada porque O Itapemerim deixara de sair, mas duas meninas - glória suave - tiraram cópias porque acharam uma beleza.

Foi logo depois das férias de junho que o professor passou nova composição: "Amanhecer na fazenda". Ora, eu tinha passado uns quinze dias na Boa Esperança, fazenda de meu tio Cristóvão, e estava muito bem informado sobre os amanheceres da mesma. Peguei da pena e fui contando com a maior facilidade. Passarinhos, galinhas, patos, uma negra jogando milho para as galinhas e os patos, um menino tirando leite da vaca, vaca mugindo... e no fim achei que ficava bonito, para fazer pendant com essa vaca mugindo (assim como "consoladora com a esperança" combinara com "ardente como o desejo"), um "burro zurrando". Depois fiz parágrafo, e repeti o mesmo zurro com um advérbio de modo, para fecho de ouro:

"Um burro zurrando escandalosamente".

Foi minha desgraça. O professor disse que daquela vez o senhor Braga o havia decepcionado, não tinha levado a sério seu dever e não merecia uma nota maior do que 5; e para mostrar como era ruim minha composição leu aquele final; "Um burro zurrando escandalosamente".

Foi uma gargalhada geral dos alunos, uma gargalhada que era uma grande vaia cruel. Sorri amarelo. Minha glória literária fora por água abaixo.

(Rubem Braga)


ATIVIDADES

1. Qual a principal emoção que o autor expressa ao relembrar sua primeira publicação no jornal do colégio?

a) Arrependimento por ter utilizado expressões exageradas.
b) Orgulho pela sua capacidade de escrever e pela repercussão de seu texto.
c) Vergonha por ter plagiado um texto de um almanaque.
d) Tristeza por não ter continuado escrevendo após esse sucesso inicial.

2. Qual característica da escrita do jovem Rubem Braga é evidenciada na crônica?

a) A preferência por temas complexos e filosóficos.
b) O uso de uma linguagem rebuscada e formal.
c) A tendência a exagerar e a utilizar adjetivos grandiosos.
d) A objetividade e a concisão na expressão das ideias.








GABARITO

1: B
2: C


sábado, 11 de janeiro de 2025

CRÔNICA OS TATUADORES - AUTORIA JOÃO DO RIO - ATIVIDADES DE LITERATURA PARA O ENSINO MÉDIO COM GABARITO



O livro A alma encantadora das ruas reúne crônicas de João do Rio, pseudônimo de um jornalista do início do século XX. Publicadas em jornais e revistas da época, essas crônicas revelam aspectos curiosos da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Vamos ler um trecho de uma delas.





OS TATUADORES
João do Rio

- Quer marcar?
Era um petiz de doze anos talvez. A roupa em frangalhos, os pés nus, as mãos pouco limpas e um certo ar de dignidade na pergunta. O interlocutor, um rapazola loiro, com uma doirada carne de adolescente, sentado a uma porta, indagou:
- Por quanto?
- É conforme - continuou o petiz. - É inicial ou coroa?
- É um coração!
- Com nome dentro?
O rapaz hesitou. Depois:
- Sim, com nome: Maria Josefina.
- Fica tudo por uns seis mil-réis.
Houve um momento em que se discutiu o preço, e o petiz estava inflexível, quando vindo do quiosque da esquina um outro se acercou:
- Ó moço, faço eu; não escute embromações!
- Pagarás o que quiser, moço.
O rapazola sorria. Afinal resignou-se, arregaçou a manga da camisa de meia, pondo em relevo a musculatura do braço. O petiz tirou do bolso três agulhas amarradas, um pé de cálix com fuligem e começou o trabalho. Era na rua Clapp, perto do cais, no século XX... A tatuagem! Será então verdade a frase de Gautier: "O mais bruto do homem sente que o ornamento traça uma linha indelével de separação entre ele e o animal, e quando não pode enfeitar as próprias roupas recama a pele"?

A palavra tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi o navegador Cook que a introduziu no Ocidente, e esse escrevia tattou, termo da Polinésia de Tatou ou tu tahou, "desenho". Muitos dizem mesmo que a palavra surgiu no ruído perceptível da agulha na pele: tac, tac. Mas como ela é antiga! O primeiro homem, decerto, ao perceber o pelo, descobriu a tatuagem. [...]
Os tatuadores têm várias maneiras de tatuar: por picadas, por incisão, por queimadura subepidérmica. As conhecidas entre nós são as incisivas, nos negros que trouxeram a tradição da África e, principalmente, as por picadas que se fazem com três agulhas amarradas e embebidas em graxa, tinta, anil ou fuligem, pólvora, acompanhando o desenho prévio. O marcador trabalha como as senhoras bordam.
Lombroso diz que a religião, a imitação, o ócio, a vontade, o espírito de corpo ou de seita, as paixões nobres, as paixões eróticas e o atavismo são as causas matenedoras dessa usança. Há uma outra - a sugestão do ambiente. Hoje toda a classe baixa da cidade é tatuada - tatuam-se marinheiros, em alguns corpos há o romance imageográfico de inversões dramáticas; tatuam-se soldados, vagabundos, criminosos, barregãs, mas também portugueses chegados da aldeia com a pele sem mancha, que a influência do meio obriga a incrustar no braço coroas de seu país.
Andei com Madruga três longos meses pelos mais primitivos, entre os atrasados morais, e nesses atrasados a camada que trabalha braçalmente, os carroceiros, os carregadores, os filhos dos carroceiros, deixaram-se tatuar porque era bonito, e são no fundo incapazes de ir parar na cadeia por qualquer crime. A outra, a perdida, a maior, o oceano da malandragem e da prostituição é que me proporcionou o ensejo de estudar ao ar livre o que se pode estudar na abafada atmosfera das prisões. A tatuagem tem nesse meio a significação do amor, do desprezo, do amuleto, da posse, do preservativo, das ideias patrióticas do indíviduo, da sua qualidade primordial.
Quase todos os rufiões e os rufistas do Rio têm na mão direita, entre o polegar e o indicador, cinco sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite derrubar o adversário dando-lhe uma bofetada com a mão assim marcada. O marinheiro Joaquim tem um Senhor crucificado no peito e uma cruz negra nas costas. Mandou fazer esse símbolo por esperteza. Quando sofre castigos, os guardiões sentem-se apavorados e sem coragem de sová-los.
- Parece que estão dando em Jesus!
A sereia dá lábia, a cobra atração, o peixe significa ligeireza n'água, a âncora e a estrela o homem do mar, as armas da República ou da Monarquia a sua compreensão política. Pelo número de coroas da Monarquia que eu vi, quase todo pessoal é monarquista.
Os lugares preferidos são as costas, as pernas, as coxas, os braços, as mãos. Nos braços estão em geral os nomes das amantes, frases inteiras, como exemplo esta frase de um soldado de um regimento de cavalaria: "Viva o Marechal de Ferro", desenhos sensuais, corações. O tronco é guardado para as coisas importantes, de saudade, de luxúria ou de religião. Hei de lembrar sempre o Madruga tatuando um funileiro, desejoso de lhe deixar uma estrela no peito.
- No peito, não! - cuspiu o mulato - no peito eu quero Nossa Senhora!
A sociedade, obedecendo à corrente das modernas ideias criminalistas, olha com desconfiança a tauagem. O curioso é que - e esses estranhos problemas de psicologia talvez não sejam nunca explicados - o curioso é que os que se deixam tatuar por não terem mais que fazer, em geral, o elemento puro das aldeias portuguesas, o único quase incontável da baixa classe do Rio, mostram sem o menor receio os braços enquanto os criminosos, os assassinos, os que já deixaram a ficha no gabinete de antropometria, fazem o possível para ocultá-los e escondem os desenhos do corpo como crime. Por que? Receio de que sejam os sinais por onde se faça o seu reconhecimento? Isso com os da polícia talvez. Mas mesmo com pessoas cujos intentos conhecem, o receio persiste, porque decerto eles consideram aquilo a marca de fogo da sociedade, de cuja tentação foram incapazes de fugir, levados pela inexorável fatalidade.
Há tatuagens religiosas, de amor, de nome, de vingança, de desprezo, de profissão, de beleza, de raça, e tatuagens obscenas.
A vida no seu feroz egoísmo é o que mais nitidamente ideografa a tatuagem.
As meretrizes e os criminosos nesse meio de becos e de facadas têm indeléveis ideias de perversidade e de amor. Um corpo desses, nu, é um estudo social. As mulheres mandam marcar corações com o nome dos amantes, brigam, desmancham a tatuagem pelo processo do Madruga, e marcam o mesmo nome no pé, no calcanhar.
- Olha, não venhas com presepadas, meu macacuano. Tenho-te aqui, desgraça!
- E mostram ao malandro, batendo com o chinelo, o seu nome odiado.
É a maior das ofensas: seu nome no calcanhar, roçando a poeira, amassado por todo o peso da mulher... [...]

RIO, João. A alma encantada das ruas. Org. de Raul Antelo. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. p. 100-111.

Vocabulário
petiz: criança, garoto.
indelével: indestrutível; que não se pode apagar.
recamar: cobrir, revestir, adornar, enfeitar.
atavismo: reaparecimento, em um descendente, de um caráter não presente em seus ascendentes imediatos, mas sim em remotos.
barregã: concubina, mulher que vive amasiada com um homem.
rufião: indivíduo que se mete em brigas por causa de mulheres de má reputação; indivíduo brigão.
rufista: brigão.
antropometria: processo ou técnica de mensuração do corpo humano ou de suas várias partes.
presepada: farsa.
macacuano: natural de Cachoeira de Macacu (RJ).

 

ATIVIDADES

01: Em "Os Tatuadores", João do Rio apresenta a tatuagem como um fenômeno social complexo, carregado de significados e simbolismos. Analise como a prática da tatuagem, descrita pelo autor, reflete a identidade, os valores e as experiências de diferentes grupos sociais da época. Explore os significados atribuídos às tatuagens por marinheiros, criminosos, prostitutas e pessoas comuns, e como esses significados se relacionam com seus contextos sociais e históricos.

02: João do Rio, como cronista, adota um olhar particular sobre a realidade social que retrata. Analise como o autor, através de sua descrição da prática da tatuagem, constrói uma imagem da marginalidade e da criminalidade no Rio de Janeiro da época. Discuta o papel da linguagem e das descrições sensoriais na construção dessa imagem, e como o olhar do cronista se posiciona em relação aos personagens retratados.

03: A tatuagem, em "Os Tatuadores", pode ser interpretada como uma forma de resistência e afirmação de identidade, especialmente para grupos marginalizados. Analise como a prática da tatuagem se torna um ato de resistência contra a ordem social estabelecida, e como ela permite que os indivíduos expressem sua individualidade e pertencimento a grupos específicos. Discuta também a relação entre a tatuagem e a noção de corpo como território e como espaço de inscrição de identidades.







GABARITO

01: Espera-se que o aluno faça uma reflexão e levante as seguintes hipóteses: Em "Os Tatuadores", João do Rio nos apresenta um panorama rico e complexo da prática da tatuagem no Rio de Janeiro do início do século XX. Através das descrições minuciosas e da análise dos diferentes grupos sociais que se tatuavam, o autor revela a tatuagem como um fenômeno que transcende a mera ornamentação corporal, tornando-se um verdadeiro reflexo da identidade, dos valores e das experiências de cada indivíduo. Para os marinheiros, a tatuagem era uma espécie de amuleto, um símbolo de proteção nas longas viagens e uma forma de marcar a passagem pelo mar. A âncora, a estrela e o peixe eram desenhos comuns, representando a esperança, a orientação e a liberdade. Entre os criminosos, a tatuagem era uma forma de demarcar o território, de mostrar a quem pertenciam. As cruzes, os nomes de gangues e os símbolos religiosos deturpados eram frequentes, expressando tanto fé quanto desafio à ordem estabelecida. Para as prostitutas, a tatuagem era uma forma de sedução, de chamar a atenção e de marcar o corpo com os nomes de seus amantes. Os corações, as flores e os nomes eram os desenhos mais comuns, revelando um lado mais sentimental e, ao mesmo tempo, mais sofrido dessas mulheres. Entre as pessoas comuns, a tatuagem era muitas vezes uma forma de imitação, de seguir a moda ou de marcar um acontecimento importante. Os nomes de familiares, as datas de nascimento e os símbolos religiosos eram os mais populares.

02: Espera-se que o aluno faça uma reflexão e levante as seguintes hipóteses: Em "Os Tatuadores", João do Rio nos oferece um olhar singular sobre a marginalidade e a criminalidade no Rio de Janeiro do início do século XX. Através da análise da prática da tatuagem, o autor revela a complexidade desses grupos sociais, suas lutas, seus desejos e suas contradições. A linguagem rica e as descrições sensoriais do autor nos transportam para esse universo, permitindo-nos compreender melhor a sociedade carioca daquela época.

03: Espera-se que o aluno faça a seguinte reflexão: Em "Os Tatuadores", João do Rio nos apresenta a tatuagem não apenas como um adorno corporal, mas como um ato político e social. Ao marcar o corpo de forma permanente, os indivíduos tatuados desafiavam os padrões de beleza e comportamento estabelecidos pela sociedade, especialmente aqueles considerados marginais. A tatuagem, nesse contexto, funcionava como uma espécie de bandeira, um símbolo de resistência contra a ordem social estabelecida.


sábado, 4 de janeiro de 2025

PERÍODO COMPOSTO - ORAÇÕES COORDENADAS - ATIVIDADES COM GABARITO

 
GRAMATICA: PERÍODO COMPOSTO

Leia o trecho a seguir:

"Naquela época, não tinha maquinaria, meu pai trabalhava na enxada. Meu pai era de Módena, minha mãe era de Capri e ficaram muito tempo na roça. Depois a família veio morar nessa travessa da avenida Paulista, agora está tudo mudado, já não entendo nada dessas ruas."

(Trecho do depoimento de um descendente de imigrantes, transcrito na obra Memória e sociedade, de Ecléa Bosi - Cia das Letras, 1994)

01. Quantas orações há no primeiro período?

02. As orações desse período estão coordenadas, ou seja, nenhuma delas exerce função sintática em relação à outra. Em lugar da segunda vírgula, que conjunção poderia ser utilizada?

03. E no segundo período, quantas orações há?

04. A conjunção e que liga as últimas orações desse período tem valor:

(A) consecutivo.
(B) adversativo.
(C) aditivo.
(D) explicativo.

05. Leia o trecho a seguir.

As aranhas conhecidas como "viúvas-negras" podem ter recebido injustamente o apelido de "canibais sexuais". Essas aranhas ganharam fama por devorar o macho indefeso durante o ato sexual. Mas há um estudo que mostra que o macho pode ser cúmplice do "assassinato".

a) Que relação a conjunção mas estabelece entre o segundo e o terceiro período?

b) Reescreva a frase, substituindo a conjunção mas por outras possíveis, mantendo a mesma relação entre as orações. Comece assum: Há um estudo...

06. Na frase: "Seu Américo ora cuspia, ora soltava palavrões" informa-se que a personagem fazia as duas coisas ao mesmo tempo ou alternadamente?

07. Utilizando as alternativas ou... ou, escreva frases curtas para orientar o consumidor de uma loja que fornece as possibilidades seguintes:

a) Formas de pagamento: 1. pagar à vista; 2. pagar com cheque para ser descontado em 30 dias.

b) Recebimento da mercadoria: 1. levar a mercadoria na hora; 2. solicitar nosso serviço de entregas.

08. Conclusiva é a oração coordenada que expressa uma conclusão ou consequência. Identifique a oração conclusiva de cada período:

a) Estão disponíveis os recursos para acabar com a pobreza absoluta; portanto, o problema se situa na estratégia e na vontade do governo.

b) Todos temos consciência do perigo; por conseguinte, temos de nos prevenir.

c) Não irei à praia, pois está chovendo.










GABARITO

01: Duas orações.
02: A conjunção e ou a locução por isso.
03. Há três orações.
04. C - aditivo.
05. a) relação de adversidade.
b) ... que mostra, no entanto, que.../ que mostra, porém, que.../ Há um estudo, porém, que mostra...
06. Alternadamente
07. a) Ou você paga à vista ou paga com cheque para ser descontado em 30 dias.
b) Ou você leva a mercadoria na hora ou solicita nosso serviço de entrega.
08. a) portanto, o problema se situa na estratégia e na vontade do governo.
b) por conseguinte, temos de nos prevenir.
c) pois está chovendo.