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segunda-feira, 20 de julho de 2020

PRÉ-MODERNISMO - OS BRUZUNDANGAS - ATIVIDADES COM GABARITO

MATERIAL DE ESTUDO: PRÉ-MODERNISMO


PRÉ-MODERNISMO: OS BRUZUNDANGAS 


O texto a seguir foi extraído do livro “Os bruzundangas”, cujo nome quer dizer “confusão, trapalhada”. É um relato sobre uma república que facilmente pode ser identificada com o Brasil da época de Lima Barreto, seu autor. O capítulo “Os samoiedas”, que apresentamos a seguir, trata da literatura “daquele” país, constituindo uma crítica irônica aos escritores brasileiros dos primeiros anos da república



O que caracteriza a literatura daquele país é uma curiosa escola literária lá conhecida por – “Escola Samoieda”. [...] 


Para mais perfeito ensinamento dos leitores vou-lhes repetir um trecho de conversa que ouvi entre três dos tais poetas da Bruzundanga, adeptos extremados da Escola Samoieda. 


Quando cheguei, eles já estavam sentados em torno da mesa do café. Acabava eu de assistir uma aula de geologia na Faculdade de Ciências do país; o meu espírito vinha cheio de silhuetas de monstros de outras épocas geológicas. Eram ictiossauros, megatérios, mamutes; era do sinistro pterodáctilo que eu me lembrava; e não sei por que, quando deparei os três poetas samoiedas, me deu vontade de entrar no botequim e tomar parte na conversa deles. 


A Bruzundanga, como sabem, fica nas zonas tropical e subtropical, mas a estética da escola pedia que eles se vestissem com peles de urso, de renas, de martas e raposas árticas. 


É um vestuário barato para os samoiedas autênticos, mas caríssimo para os seus parentes literários dos trópicos. 


Estes, porém, crentes na eficácia da vestimenta para a criação artística, morrem de fome, mas vestem-se à moda da Sibéria. 


Estavam assim vestidos, naquela tarde, quente, ali naquele café da capital da Bruzundanga, três dos seus novos e soberbos vates; estavam ali: Kotelniji, Wolpuk e Korspikt, o primeiro que tinha aplicado o vernier para "medir" versos. 


Abanquei-me e pude perceber que acabavam de ouvir uma poesia do poeta Worspikt. Tratava de lua, de iceberg, - descobri eu por uma e outra consideração que fizeram. 


Nenhum deles tinha visto um iceberg, mas gabavam os ouvintes a moção com que o outro traduzira em verso o espetáculo desse fenômeno das circunvizinhanças dos pólos. 


Num dado momento Kotelniji disse para Worspikt: 


- Gostei muito desse teu verso: - "há luna loura linda leve, luna bela!" 


O autor cumprimentado retrucou: 


- Não fiz mais do que imitar Tuque-Tuque, quando encontrou aquela soberba harmonia imitativa para dar idéia do luar - "Loga Kule Kulela logalam", no seu poema "Kulelau". 


Wolpuk, porém, objetou: 


- Julgo a tua excelente, mas teria escolhido a vogal forte "u", para basear a minha sugestão imitativa do luar. 


- Como? perguntou Worspikt. 


Eu teria dito: Ui! "lua uma pula, tu moo! sulla nuit!” 


- Há muitas línguas nela, objetou Kotelniji. 


- Quantas mais melhor, para dar um caráter universal à poesia que deve sempre tê-lo, como ensina o mestre, defendeu-se Wolpuk. 


- Eu, porém, aduziu Kotelniji, conquanto permita nos outros certas licenças poéticas, tenho por princípio obedecer às mais duras e rígidas regras, não me afastar delas, encarcerar bem o meu pensamento. No meu caso, eu empregaria a vogal "a" para a harmonia em vista. 


- Mas Tuque-Tuque... fez Worspikt. 


- Ele empregou o "e" no tal verso que você citou, devido à pronunciação que essa letra lá tem. É um "e" molhado que evoca bem o luar deles, mas... 


- E com "a", como é? Indagou Wolpuk. 


- O "a" é o espanto; seria aí o espanto do homem dos trópicos, diante da estranheza do fenômeno ártico que ele não conhece e o assombra. 


- Mas Kotelniji, eu visava o luar. 


- Que tem isso? Na harmonia em "a" também entra esse fenômeno que é o provocador do teu espanto, causado pela sua singularidade local, e pela hirta presença do iceberg, branco, fantástico, que, a lua ilumina. 


- Bem, perguntou o autor da poesia; como você faria, Kotelniji? 


- Eu diria: "A lua acaba de calar a caraça parva". 


- Mas não teria nada que ver com o tema da poesia, objetou Wolpuk. 


- Como? O iceberg toma as formas mais variadas... Demais, há sempre onde encaixar, seja qual for a poesia, uma feliz "imitativa". 


- Você tem razão, aplaudiu Wolpuk. 


Worspikt concordou também e prometeu aproveitar a maravilhosa trouvailhe do amigo de letras. 


 

LIMA BARRETO. Os samoiedas. In: ______. Os bruzundangas. São Paulo: Ática, 1985. p. 26-28



Vocabulário 

Caraça: máscara, carranca; cara larga e cheia 

Parva: tola 

Samoieda: habitante do extremo norte da Rússia 

Vernier (fr): instrumento para uso em cálculos matemáticos. 



RESPONDA COM BASE NO TEXTO


1. Além do estilo literário, o que mais imitavam os poetas da Bruzundanga? 


2. Destaque do texto duas razões suficientes para que os poetas da Bruzundanga não imitassem a maneira de vestir dos samoiedas autênticos. 


3. Em que passagem do texto o narrador ironiza, através de uma referência a Worspikt, a preocupação dos parnasianos e simbolistas com a perfeição métrica? 


4. Que elemento do verso de Worspikt revela total alheamento em relação à natureza de Bruzundanga? 


5. Através de que afirmação de Worspikt o narrador ironiza os autores brasileiros que imitavam os parnasianos e simbolistas europeus? 


6. A referência irônica aos poetas simbolistas é feita através da obsessão dos samoiedas por um recurso estilístico. Que recurso é esse? 


7. Na época de Lima Barreto, os poetas, em sua maioria, estavam mais preocupados com a maneira de dizer do que com o que havia de ser dito. No texto, esse fato acaba por fazer com que um dos poetas samoiedas diga um verso ridículo, que nada tem que ver com o tema da poesia. Que verso é esse? 


8. Que justificativa é dada por Kotelniji diante da objeção de Wolpuk a seu verso? 


9. Comente a relação entre os poetas da “Escola Samoieda” e os poetas brasileiros parnasianos e simbolistas. 





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GABARITO


1. Eles imitavam alguns costumes, como por exemplo, frequentar botequim e cafés. 

2. A Bruzundanga fica nas zonas tropical e subtropical (locais quentes), mas os poetas samoiedas vestem roupas feitas com pele de urso, de renas, de martas e raposas árticas (roupas especialmente úteis para regiões de clima frio). Outra, é um vestuário caríssimo para os literários dos trópicos e barato para os samoiedas autênticos. 

3. Worspikt foi o primeiro poeta que tinha aplicado o vernier para “medir” versos. 

4. A palavra iceberg usada no verso uma vez que os poetas nunca haviam visto um iceberg. 

5. Quando ele afirma: “Não fiz mais do que imitar Tuque-Tuque, quando encontrou aquela soberba harmonia imitativa para dar ideia do luar.” 

6. As figuras de linguagem assonância (repetição de vogais) e a aliteração (repetição de consoantes). 

7. Loga kule kulela logalam.  

8. Permita nos outros certas licenças poéticas, tenho por princípio obedecer às mais duras e rígidas regras, não me afastar delas, encarcerar bem o meu pensamento. 

9. Os poetas da Escola Samoieda são como os poetas brasileiros das escolas parnasiana e simbolista: em seus versos não falam sobre a realidade em que vivem, acovardam-se dos problemas sociais do país, preferem palavras eruditas e modismos de outras nações. 


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

PRÉ-MODERNISMO - TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA ATIVIDADES COM GABARITO

PRÉ-MODERNISMO - TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA


O romance conta a história de um nacionalista ingênuo, Policarpo Quaresma, que acredita num Brasil forte, rico e soberano, e quer salvá-lo dos políticos corruptos. Entretanto, esse exaltado patriotismo só provoca risos e acaba por custar-lhe o internamento num hospício. Tendo apoiado o marechal Floriano, volta-se contra o seu governo por considera-lo incompetente e desumano. Ao presenciar a escolha de antiflorianistas para fuzilamento, escreve, indignado, uma carta ao presidente. No dia seguinte, é preso e fuzilado



Por que estava preso? Ao certo não sabia; o oficial que o conduzira, nada lhe quisera dizer; e, desde que saíra da ilha das Enxadas para a das Cobras, não trocara palavra com ninguém, não vira nenhum conhecido no caminho, nem o próprio Ricardo que lhe podia, com um olhar, com um gesto, trazer sossego às suas dúvidas. Entretanto, ele atribuía a prisão à carta que escrevera ao presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera. 


Não se pudera conter. Aquela leva de desgraçados a sair assim, a desoras, escolhidos a esmo, para uma carniçaria distante, falara fundo a todos os seus sentimentos; pusera diante dos seus olhos todos os seus princípios morais; desafiara a sua coragem moral e a sua solidariedade humana; e ele escrevera a carta com veemência, com paixão, indignado. Nada omitiu do seu pensamento; falou claro, franca e nitidamente. 


Devia ser por isso que ele estava ali naquela masmorra, engaiolado, trancafiado, isolado dos seus semelhantes como uma fera, como um criminoso, sepultado na treva, sofrendo umidade, misturado com os seus detritos, quase sem comer... Como acabarei? Como acabarei? E a pergunta lhe vinha, no meio da revoada de pensamentos que aquela angústia provocava pensar. Não havia base para qualquer hipótese. Era de conduta tão irregular e incerta o Governo que tudo ele podia esperar: a liberdade ou a morte, mais esta que aquela. 


O tempo estava de morte, de carnificina; todos tinham sede de matar, para afirmar mais a vitória e senti-la bem na consciência coisa sua, própria, e altamente honrosa. 


Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara — todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara. 


Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folclore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! 


O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. 


A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia, A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati. 


E, bem pensado, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria? Não teria levado toda a sua vida norteado por uma ilusão, por uma idéia a menos, sem base, sem apoio, por um Deus ou uma Deusa cujo império se esvaía? 


LIMA BARRETO. Triste fim de Policarpo Quaresma. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 1976. p. 205-207


Vocabulário 

Desoras: fora de hora 

Esvair: dissipar, desaparecer 

Feraz: fértil 

Nortear: orientar, guiar


RESPONDA COM BASE NO TEXTO 


1. O que levou o Major Quaresma a escrever uma carta ao presidente? 


2. Que elementos do segundo parágrafo caracterizam a personalidade de Quaresma? 


3. Como o Major Quaresma caracteriza o governo do Marechal Floriano? 


4. De que maneira era glorificada e afirmada a vitória sobre os revoltosos? 


5. Justifique com elementos do texto a afirmação de que o Major Quaresma tinha um forte sentimento nacionalista. 


6. Segundo Pero Vaz de Caminha, “(A terra) em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo...”. Que comentário faz Quaresma a esse respeito? 


7. É comum a crença de que o povo brasileiro possui um espírito pacífico, generoso e cordial. O que pensa Policarpo Quaresma a respeito disso? 


8. Que ilusão teria guiado Quaresma até o fim da sua vida? 




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GABARITO


1. Policarpo Quaresma escreveu a carta ao presidente por se sentir indignado com as injustiças (brutalidade, violência, carnificina) praticadas contra os prisioneiros. 

2. Era um homem com princípios morais, solidário, humano... 

3. Um governo ditador, violento, corrupto, sanguinário, desumano... 

4. Por meio da prisão, castigo e fuzilamento daqueles que se revoltavam contra o governo. 

5. “Levara toda ela ( a vida) atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade.” 

6. “E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção.” 

7. Ele não achara a doçura (generosidade, cordialidade) no povo brasileiro. 

8. A ilusão de uma pátria ordeira e generosa, sem problemas, sem corrupção, políticos com moralidade...