LITERATURA NO ENEM - EDIÇÃO 2016
QUESTÃO 01: ENEM (2016)
A partida do trem
Marcava seis horas da manhã, Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise, Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto — e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho.
Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
— A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo, Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
— É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?
LISPECTOR, C. Onde estiveste de noite. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.
A descoberta de experiências emocionais com base no Cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
(A) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.
(B) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
(C) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
(D) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
(E) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.
QUESTÃO 02: ENEM (2016)
Esses chopes dourados
[…]
quando a geração de meu pai
batia na minha
a minha achava que era normal
que a geração de cima
só podia educar a de baixo
batendo
quando a minha geração batia na de vocês
ainda não sabia que estava errado
mas a geração de vocês já sabia
e cresceu odiando a geração de cima
aí chegou esta hora
em que todas as gerações já sabem de tudo
e é péssimo
ter pertencido à geração do meio
tendo errado quando apanhou da de cima
e errado quando bateu na de baixo
e sabendo que apesar de amaldiçoados
éramos todos inocentes.
WANDERLEY, J. In: MORICONI, II (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (fragmento)
Ao expressar uma percepção de atitudes e valores situados na passagem do tempo, o eu lírico manifesta uma angústia sintetizada na
(A) compreensão da efemeridade das convicções antes vistas como sólidas.
(B) consciência das imperfeições aceitas na construção do senso comum.
(C) revolta das novas gerações contra modelos tradicionais de educação.
(D) incerteza da expectativa de mudança por parte das futuras gerações.
(E) crueldade atribuída à forma de punição praticada pelos mais velhos.
QUESTÃO 03: ENEM (2016)
Antiode
Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-Virtude – em disfarçados urinóis).
Flor é a palavra
flor; verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.
Flor é o salto
da ave para o voo:
o saltofora do sono
quando seu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.
MELO NETO, J. C. Psicologia da composição Rio de Janeiro Nova Fronteira, 1997 (fragmento)
A poesia é marcada pela recriação do objeto por meio da linguagem, sem necessariamente explicá-lo. Nesse fragmento de João Cabral de Melo Neto, poeta da geração de 1945, o sujeito lírico propõe a recriação poética de
(A) uma palavra, a partir de imagens com as quais ela pode ser comparada, a fim de assumir novos significados.
(B) um urinol, em referência às artes visuais ligadas às vanguardas do início do século XX.
(C) uma ave, que compõe, com seus movimentos, uma imagem historicamente ligada à palavra poética.
(D) uma máquina, levando em consideração a relevância do discurso técnico-científico pós-Revolução Industrial.
(E) um tecido, visto que sua composição depende de elementos intrínsecos ao eu lírico.
QUESTÃO 04: ENEM (2016)
De domingo
– Outrossim…
– O quê?
– O que o quê?
– O que você disse.
– Outrossim?
– É.
– O que é que tem?
– Nada. Só achei engraçado.
– Não vejo a graça.
– Você vai concordar que não é uma palavra de todos os dias.
– Ah, não é. Aliás, eu só uso domingo.
– Se bem que parece mais uma palavra de segunda-feira.
– Não. Palavra de segunda-feira é “óbice”.
– “Ônus”.
– “Ônus” também. “Desiderato”. “Resquício”.
– “Resquício” é de domingo.
– Não, não. Segunda. No máximo terça.
– Mas “outrossim”, francamente…
– Qual o problema?
– Retira o “outrossim”.
– Não retiro. É uma ótima palavra. Aliás é uma palavra difícil de usar. Não é qualquer um
que usa “outrossim”.
VERISSIMO, L. F. Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996 (fragmento).
No texto, há uma discussão sobre o uso de algumas palavras da língua portuguesa. Esse uso promove o(a)
(A) marcação temporal, evidenciada pela presença de palavras indicativas dos dias da semana.
(B) tom humorístico, ocasionado pela ocorrência de palavras empregadas em contextos formais.
(C) caracterização da identidade linguística dos interlocutores, percebida pela recorrência de palavras regionais.
(D) distanciamento entre os interlocutores, provocado pelo emprego de palavras com significados pouco conhecidos.
(E) inadequação vocabular, demonstrada pela seleção de palavras desconhecidas por parte de um dos interlocutores do diálogo.
GABARITO
01: E
02: B
03: A
04: B
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