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sábado, 18 de dezembro de 2021

FRAGMENTO DA OBRA SÃO BERNARDO DE GRACILIANO RAMOS

 

SÃO BERNARDO de GRACILIANO RAMOS (fragmento)


Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.

E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.

Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas – e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.

Emoções indefiníveis me agitam – inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.

Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.

Lá fora os sapos arengavam, o vento gemia, as árvores do pomar tornavam-se massas negras.

- Casimiro!

- Cassimiro Lopes estava no jardim, acocorado ao pé da janela, vigiando.

- Casimiro!

A figura de Cassimiro Lopes aparece à janela, os sapos gritam, o vento sacode as árvores, apenas visíveis na treva. Maria das Dores entra e vai abrir o comutador. Detenho-a: não quero luz.

O tique-taque do relógio diminui, os grilos começam a cantar. E Madalena surge no lado de lá da mesa. Digo baixinho:

- Madalena!

A voz dela me chega aos ouvidos. Não, não é aos ouvidos. Também já não a vejo com os olhos.

Estou encostado à mesa, as mãos cruzadas. Os objetos fundiram-se, e não enxergo sequer a toalha branca.

- Madalena...

A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me naturalmente que mande algum dinheiro a mestre Caetano. Isto me irrita, mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa inteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada e tranquila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra mestre Caetano. Não obstante ele ter morrido, acho bom que vá trabalhar. Mandrião!

A toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre que tenho as mãos cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos.

Rumor do vento, dos sapos, dos grilos. A porta do escritório abre-se de manso, os passos de seu Ribeiro afastam-se. Uma coruja pia na torre da igreja. Terá realmente piado a coruja? Será a mesma que piava há dois anos? Talvez seja até o mesmo pio daquele tempo.

Agora seu Ribeiro está conversando com Dona Glória no salão. Esqueço que eles me deixaram e que esta casa está quase deserta.

- Casimiro!

Penso que chamei Casimiro Lopes. A cabeça dele, com o chapéu de couro de sertanejo, assoma de quando em quando à janela, mas ignoro se a visão que me dá é atual ou remota.

Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis: encolerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar.


RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro, Record, 1983.


sábado, 11 de dezembro de 2021

ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA - QUESTÕES OBJETIVAS PARA AVALIAÇÃO

 
QUESTÃO 01: Leia o texto a seguir.

Canção do tamoio

I

Não chores, meu filho:
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
[...]

III

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na sua lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

(Gonçalves Dias)

Em Canção do tamoio, o pai apela para que o filho:

(A) assuma um lugar de destaque e liderança na tribo por meio de negociações e alianças.
(B) seja bravo e forte, não temendo a morte gloriosa que lhe garantirá a fama póstuma.
(C) não tema a morte nem a fuga, para que sua atitude seja lembrada pelos demais guerreiros da tribo.
(D) não chore porque a vida é um combate que derruba fracos e fortes indiferentemente.
(E) não se preocupe com a vida porque os meios de sobrevivência são oferecidos pela floresta.

QUESTÃO 02: Leia o texto a seguir:

Há muitos séculos, o homem vem construindo aparelhos para medir o tempo e não lhe deixar perder a hora. Um dos mais antigos foi inventado pelos chineses e consistia em uma corda cheia de nós a intervalos regulares. Colocava-se fogo ao artefato e a duração de algum evento era medida pelo tempo que a corda levava para queimar entre um nó e outro. Não há registros, mas com certeza diziam-se coisas como: “Muito bonito, não? Você está atrasado há mais de três nós!”

 

JORNAL O ESTADO DE S. PAULO, 28 mai. 1992.
 
A finalidade do texto é
 
(A) informar.
(B) descrever.
(C) argumentar.
(D) narrar.
(E) Todas as alternativas estão corretas.


QUESTÃO 03: ENEM 2012

Disponível em: www.ivancabral.com. Acesso em: 27 fev. 2012.


O efeito de sentido da charge é provocado pela combinação de informações visuais e recursos linguísticos. No contexto da ilustração, a frase proferida recorre à


(A) polissemia, ou seja, aos múltiplos sentidos da expressão “rede social” para transmitir a ideia que pretende veicular.

(B) ironia para conferir um novo significado ao termo “outra coisa”.

(C) homonímia para opor, a partir do advérbio de lugar, o espaço da população pobre e o espaço da população rica.

(D) personificação para opor o mundo real pobre ao mundo virtual rico.

(E) antonímia para comparar a rede mundial de computadores com a rede caseira de descanso da família.


QUESTÃO 04: Leia o texto a seguir.

 

Até quando?

 

Não adianta olhar pro céu

Com muita fé e pouca luta

Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer

E muita greve, você pode, você deve, pode crer

Não adianta olhar pro chão

Virar a cara pra não ver

Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus

Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!

 

GABRIEL, O PENSADOR. Seja você mesmo (mas não seja sempre o mesmo). Rio de Janeiro: Sony Music, 2001 (fragmento)

 

Percebe-se que o autor do texto optou por algumas escolhas linguísticas. Essas escolhas se deram devido

 

(A) ao caráter conativo, ou seja, de apelo que se formaliza por meio da linguagem conotativa.

(B) à influência dos meios tecnológicos, sobretudo da internet.

(C) ao uso reiterado de gírias, em consequência da sequência dialógica.

(D) à opção do autor pela linguagem coloquial.

(E) ao estreitamento da linguagem, que se apresenta concisa e enxuta.


QUESTÃO 05: Só falta o Senado aprovar o projeto de lei [sobre o uso de termos estrangeiros no Brasil] para que palavras como shopping center, delivery e drive-through sejam proibidas em nomes de estabelecimentos e marcas. Engajado nessa valorosa luta contra o inimigo ianque, que quer fazer área de livre comércio com nosso inculto e belo idioma, venho sugerir algumas outras medidas que serão de extrema importância para a preservação da soberania nacional, a saber:
 
• Nenhum cidadão carioca ou gaúcho poderá dizer “Tu vai” em espaços públicos do território nacional;
• Nenhum cidadão paulista poderá dizer “Eu lhe amo” e retirar ou acrescentar o plural em sentenças como “Me vê um chopps e dois pastel”;
 
• Nenhum dono de borracharia poderá escrever cartaz com a palavra “borraxaria” e nenhum dono de banca de jornal anunciará “Vende-se cigarros”;
 
• Nenhum livro de gramática obrigará os alunos a utilizar colocações pronominais como “casar-me-ei” ou “ver-se-ão”.
 
PIZA, Daniel. Uma proposta imodesta. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8/04/2001.
 
No texto anterior, o autor
 
(A) mostra-se favorável ao teor da proposta por entender que a língua portuguesa deve ser protegida contra deturpações de uso.
(B) ironiza o projeto de lei ao sugerir medidas que inibam determinados usos regionais e socioculturais da língua.
(C) denuncia o desconhecimento de regras elementares de concordância verbal e nominal pelo falante brasileiro.
(D) revela-se preconceituoso em relação a certos registros linguísticos ao propor medidas que os controlem.
(E) defende o ensino rigoroso da gramática para que todos aprendam a empregar corretamente os pronomes.



GABARITO


01: B
02: A
03: A
04: D
05: B


sábado, 4 de dezembro de 2021

ATIVIDADES VARIAÇÃO LINGUÍSTICA - ENSINO MÉDIO - QUESTÕES OBJETIVAS

 LEIA O TEXTO PARA RESPONDER ÀS QUESTÕES 01 A 03.

 

Para falar e escrever bem, é preciso, além de conhecer o padrão formal da Língua Portuguesa, saber adequar o uso da linguagem ao contexto discursivo. Para exemplificar este fato, seu professor de Língua Portuguesa convida-o a ler o texto Aí, Galera, de Luís Fernando Veríssimo. No texto, o autor brinca com situações de discurso oral que fogem à expectativa do ouvinte. 

 

Aí, Galera

 

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “estereotipação”? E, no entanto, por que não?

– Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.

– Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.

– Como é?

– Aí, galera.

– Quais são as instruções do técnico?

– Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.

– Ahn?

– É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça.

– Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?

– Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?

– Pode.

– Uma saudação para a minha progenitora.

– Como é?

- Alô, mamãe!

- Estou vendo que você é um, um...

- Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?

- Estereoquê?

- Um chato?

- Isso.

 

Correio Braziliense, 13/05/1998

 

QUESTÃO 01: O texto retrata duas situações relacionadas que fogem à expectativa do público. São elas:

 

(A) a saudação do jogador aos fãs do clube, no início da entrevista, e a saudação final dirigida à sua mãe.

(B) a linguagem muito formal do jogador, inadequada à situação da entrevista, e um jogador que fala, com desenvoltura, de modo muito rebuscado.

(C) o uso da expressão “galera”, por parte do entrevistador, e da expressão “progenitora”, por parte do jogador.

(D) o desconhecimento, por parte do entrevistador, da palavra “estereotipação”, e a fala do jogador em “é pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça”.

(E) o fato de os jogadores de futebol serem vítimas de estereotipação e o jogador entrevistado não corresponder ao estereótipo.

 

QUESTÃO 02: O texto mostra uma situação em que a linguagem usada é inadequada ao contexto. Considerando as diferenças entre língua oral e língua escrita, assinale a opção que representa também uma inadequação da linguagem usada ao contexto:

(A) “o carro bateu e capotô, mas num deu pra vê direito” – um pedestre que assistiu ao acidente comenta com o outro que vai passando.

(B) “E aí, ô meu! Como vai essa força?” – um jovem que fala para um amigo.

(C) “Só um instante, por favor. Eu gostaria de fazer uma observação” – alguém comenta em uma reunião de trabalho.

(D) “Venho manifestar meu interesse em candidatar-me ao cargo de Secretária Executiva desta conceituada empresa” – alguém que escreve uma carta candidatando-se a um emprego.

(E) “Porque se a gente não resolve as coisas como têm que ser, a gente corre o risco de termos, num futuro próximo, muito pouca comida nos lares brasileiros” – um professor universitário em um congresso internacional.

 

QUESTÃO 03: A expressão “pegá eles sem calça” poderia ser substituída, sem comprometimento de sentido, em língua culta, formal, por:

 

(A) pegá-los na mentira.

(B) pegá-los em flagrante.

(C) pegá-los desprevenidos.

(D) pegá-los rapidamente.

(E) pegá-los momentaneamente.

 

QUESTÃO 04: Só falta o Senado aprovar o projeto de lei [sobre o uso de termos estrangeiros no Brasil] para que palavras como shopping center, delivery e drive-through sejam proibidas em nomes de estabelecimentos e marcas. Engajado nessa valorosa luta contra o inimigo ianque, que quer fazer área de livre comércio com nosso inculto e belo idioma, venho sugerir algumas outras medidas que serão de extrema importância para a preservação da soberania nacional, a saber:

 

• Nenhum cidadão carioca ou gaúcho poderá dizer “Tu vai” em espaços públicos do território nacional;

• Nenhum cidadão paulista poderá dizer “Eu lhe amo” e retirar ou acrescentar o plural em sentenças como “Me vê um chopps e dois pastel”;

 

• Nenhum dono de borracharia poderá escrever cartaz com a palavra “borraxaria” e nenhum dono de banca de jornal anunciará “Vende-se cigarros”;

 

• Nenhum livro de gramática obrigará os alunos a utilizar colocações pronominais como “casar-me-ei” ou “ver-se-ão”.

 

PIZA, Daniel. Uma proposta imodesta. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8/04/2001.

 

No texto anterior, o autor

 

(A) mostra-se favorável ao teor da proposta por entender que a língua portuguesa deve ser protegida contra deturpações de uso.

(B) ironiza o projeto de lei ao sugerir medidas que inibam determinados usos regionais e socioculturais da língua.

(C) denuncia o desconhecimento de regras elementares de concordância verbal e nominal pelo falante brasileiro.

(D) revela-se preconceituoso em relação a certos registros linguísticos ao propor medidas que os controlem.

(E) defende o ensino rigoroso da gramática para que todos aprendam a empregar corretamente os pronomes.

 

QUESTÃO 05: Leia com atenção o texto:

 

[Em Portugal], você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos — peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é camisola — mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma delícia?)

 

(Ruy Castro. Viaje Bem. Ano VIII, no 3, 78.)

 

O texto destaca a diferença entre o português do Brasil e o de Portugal quanto

 

(A) ao vocabulário.

(B) à derivação.

(C) à pronúncia.

(D) ao gênero.

(E) à sintaxe.





GABARITO

01: B

02: E

03: C

04: B

05: A